segunda-feira, 29 de junho de 2009

COLONIALISMO NÃO!

Fez bem a imprensa sul-africana. Tão logo surgiu a notícia de que integrantes das equipes de TV da Holanda tinham procurado o presidente da FIFA com o pedido para que as cornetas usadas pelos torcedoresfossem proibidas, os jornais passaram seus editoriais para a capa, criticaram a soberba holandesa e, para concluir, fizeram uma sugestão:

– Se não estão satisfeitos, voltem para casa.

Perfeito. É um espanto que europeus ainda tratem um país africano com esta petulância. Logo os europeus, que estiveram nas raízes da construção do brutal apartheid, o regime racista da África do Sul responsável, entre outros crimes, pela prisão de Nelson Mandela por 27 anos e os massacres no bairro de Soweto. Fizeram muito bem os jornais sul-africanos. Que as cornetas soem à vontade e com toda a força. Elas também fazem parte dos novos tempos da África do Sul, já longe do terror do apartheid e dos racistas de várias nacionalidades. Hoje, a população negra pode cantar o orgulho de seu país, de seus costumes, de suas cores e de sua alegria. Benditas cornetas.

É surpreendente que estrangeiros cheguem a um país e achem que o ambiente deve se adaptar a eles – e não o contrário. O tempo do colonialismo passou, mas alguns não aprendem. É direito de qualquer um não gostar do som, preferir estádios menos barulhentos e transmissões de TV mais limpas ou até considerar as vuvuzelas chatas, mas não dá para imaginar que alguém possa chegar à África e baixar um decreto mudando os hábitos dos torcedores. Eles têm direito assegurado.

O mais sensato é procurar se encantar com a beleza da alegria africana – como fizeram os brasileiros da Seleção. Eles tiveram exemplos comoventes desta disposição dos africanos para transformar danças e cânticos em prova de afeição. Foi assim no primeiro treino, quando as arquibancadas do Free State foram ocupadas por 3 mil pessoas. Elas cantaram e mostraram coreografias que pareciam ensaiadas. No fim, ganharam aplausos daqueles profissionais milionários e surpresos. Há poucos dias, mais uma vez eles ficaram tocados. Ao deixarem o hotel em Johannesburgo, passaram por um corredor formado por funcionários que cantavam e dançavam, em uma espécie de cerimônia de adeus. Ternura tipicamente africana para brasileiros, muitos deles com origens familiares que remontam àqueles escravos que ajudaram a construir o país pentacampeão. Como não ficar emocionado?

Joseph Blatter ficou – e já saiu em defesa da alegria africana. Suíços são considerados frios, distantes, mas Blatter teve sensibilidade para entender o que via nas ruas e nos estádios. Por isso, ao receber pressões para proibir ou limitar o uso das chamadas vuvuzelas (palavra zulu que significa ‘fazer barulho’, entre outras definições) pelos torcedores, Blatter disse estar tão habituado que nem ouve mais o som.

Depois, lembrou aquilo que parece fugir à compreensão de alguns europeus: a Copa das Confederações foi disputada na África do Sul, como será o Mundial do próximo ano, onde o ambiente e a cultura são diferentes.

– Que mensagens passaríamos se disséssemos ‘vamos proibir o instrumento com que vocês manifestam sua alegria’? Seria discriminação.

Disse mais o presidente da FIFA: a África deu tanto ao longo dos séculos que estava na hora de o mundo devolver algo a ela. O presente, desta vez, é a Copa, com todas as características que tem uma competição disputada em solo africano. Blatter acertou em cheio.

Não dá para esperar que a torcida dos países africanos tenha a atitude por vezes fria e distante dos europeus. Assim como eles encaram o futebol é muito mais divertido. Em qualquer Copa do Mundo, por menor que seja o grupo de torcedores africanos, eles costumam fazer mais barulho, vibrar e cantar mais do que as torcidas locais, nos estádios e fora deles. Foi assim na França, na Alemanha, tem sido desta maneira na África do Sul, onde são maioria.

Eles são alegres, divertidos, pacíficos. Será a Copa mais barulhenta de todos os tempos, como eles dizem diante do olhar espantado dos visitantes. Ainda bem.

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