segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

O caso Battisti: toma que a batata quente é tua


Carta Aberta aos magistrados brasileiros

Paira sobre Cesare Battisti o mistério que cerca sua história. Existem muitas lacunas sobre os fatos. Somos tratados como duzentos milhões de pobres coitados que temos que nos curvar diante da vontade da Itália soberana.
O caso Battisti, sua história de refugiado começa quando é acolhido na França de Mitterrand, torna-se escritor e vive em paz. A França vira à direita, a Itália pedindo a extradição e Battisti é expulso “à la française” para atender àpressão Italiana: não extradita, mas estimula “a fuga”. Dá o passaporte e os meios para a fuga. Tudo providenciado pelo serviço secreto francês que monitora a viagem. O Brasil acolhe um perseguido, como sempre fez ao longo dos tempos. A França inicia o jogo da batata quente.
Battisti é preso como tantos outros italianos perseguidos que se refugiam aqui. Os outros foram libertados. Battisti vira questão de honra e termina refém de um conflito de poderes que termina numa salada surrealista: O STF vota pela expulsão, mas devolve ao Presidente da República o poder decisório.
O Presidente da República em seu último dia de governo toma a atitude que parecia justa e a mais adequada dentro das tradições brasileiras, a de conceder refúgio aosperseguidos por razões políticas. Prerrogativa constitucional e reconhecida pelo STF, que mesmo acreditando que Battisti deveria ser extraditado devolveu o poder de decisão ao Presidente da República. O jogo da batata quente continua.
O presidente do STF puxa de novo o poder decisório para o tribunal atendendo àpressão italiana. O suspense está no ar. O Presidente Italiano manda uma carta a Presidente Dilma Rousseff pedindo a extradição. A Presidente responde que a decisão está nas mãos do STF. A Presidente Dilma devolve a batata quente ao Supremo.
A Itália, berço do direito, hoje não tem sede de justiça, mas desejo de vingança e vem transformando Cesare Battisti na fera a abater.
A Itália que quer sevingar de sua própria história (sim, o caso Battisti é um caso de vingança histórica) não é a Itália de Dante, mas a Itália que durante o pós guerra afogou-se em escândalos e conluios entre a máfia e o fascismo que destruiu partidos e dirigentes políticos em escândalos de corrupção e que levou milhares de jovens italianos ao desespero político, encontrando como única porta de saída a resistência armada. E o Brasil vem sendo fustigado, intimidado e ameaçado como se fosse uma republiqueta centenária desafiando a milenar cultura italiana.
Para os que pretendem entender aqueles tempos tumultuados da história política da Itália, recomendo assistir a “Cadáveres Ilustres” (CADAVERI ECCELLENTI – 1976), do mestre Francesco Rossi baseado em obra homônima do escritor Leonardo Sciascia. O filme aborda a crise da democracia Italiana e trata do assassinato do secretário geral do Partido Comunista Italiano. A mais pura ficção. A crise do estado italiano está ali no romance e no filme denunciando a conspiração entre políticos, magistrados e militares contra o Estado democrático.
Pouco tempo depois, a história, a de verdade, registrava a tragédia do sequestro e assassinato do democrata cristão Aldo Moro.
Este assassinato quase pôs a pique a democracia italiana. A direção da democracia cristã e a do Partido Comunista recusam-se em negociar com os ensandecidos das Brigadas Vermelhas, alegando a “defesa do Estado Democrático”,como se a vida de um homem valesse menos do que um princípio. Além da vida de Moro, o episódio custou muito caro à democracia italiana.
A podridão do ambiente político italiano culminou com a dissolução da própria Democracia Cristã e do Partido Comunista.
A crise italiana daquele período pós guerra e marcada por feridas ainda não cicatrizadas que desembarcam no governo Berlusconi o que exige uma reflexão maior e pede uma revisão histórica urgente. Não é esse nosso papel aqui. Estamos àbeira do julgamento que decidirá o futuro de um homem, o que já é muito.
Nós, os brasileiros, continuamos absolutamente desinformados sobre a história desse homem que terá seu destino determinado por um gesto nosso. E olha que ele já está preso por aqui desde 2007, tempo mais do que suficiente para mandar uma missão para investigar na Itália a verdadeira história de um julgamento cheio de lacunas e cantos escuros. Só quem desconhece a história italiana dos anos 70/80 é que compra sem reticências a versão do governo italiano.
A mídia comprou a versão italiana e publica acriticamente tudo que chega de lá. A última bazófia tornada pública foi a de que a Comunidade Européia aprovou com 86% dos votos uma moção recomendando ao Brasil que extraditasse Battisti. A realidade foi bem diferente: À sessão compareceram apenas 11% dos parlamentares, a imensa maioria, de italianos. E repercurte como se houvesse uma grande unanimidade em torno da extradição de Battisti.
Cesare Battisti foi acusado de cometer dois crimes a 400 kms de distância um do outro, com poucas horas de diferença, no mesmo dia. Ninguém foi questionar a veracidade da informação. Inexplicável mesmo é que ninguém se interesse em saber a versão de Pietro Mutti, o “capo” das Brigadas Vermelhas e principal acusador de Battisti. Onde está? O que faz hoje em dia? Os outros delatores são encontráveis, como Cavallina e o segundo principal delator se chama Sante Fatone e agora mora na Calábria. Talvez esse também possa ser encontrado.
Em sua cela na Papuda, penitenciária de Brasília, Cesare Battisti aguarda a decisão sobre seu destino que tanto poderá ser a liberdade, as ruas, o convivio com a família, amigos, a reintegração na sociedade ou a prisão até a eternidade, a liberdade ou a prisão perpétua (pena que não existe no Brasil). A realidade é bem mais dura do que a ficção, até porque Battisti não é um personagem de papel, mas de carne e osso, nervos e sentimentos.
Vejo Battisti em sua cela e viajo em tantos outros injustiçados da história: Giordano Bruno, Antonio José da Silva, o judeu, Tiradentes, o capitão Dreyfus, Sacco e Vanzetti, Ethel e Julius Rosenberg, Elise Ewert, Olga Benário.
Insisto: não estamos discutindo justiça mas vingança.
Silvio Tendler

Renan vira ‘escudo’ protetor da oposição contra o PT

Líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (AL) tornou-se, para o Planalto, um aliado de dois gumes.

No gogó, Renan é governista. Na prática, distancia-se do PT e faz aliança tática com os oposicionistas PSDB e DEM.

Nas próximas horas, serão rateados entre os partidos os postos de comando na Mesa diretora e nas comissões do Senado.

Em combinação com o Planalto, o petismo ergueu a tese segundo a qual a divisão das poltronas deve levar em conta os blocos partidários, não os partidos.

Se prevalecesse tal entendimento, PSDB e DEM, já alquebrados pela artilharia eleitoral de Lula, seriam humilhados pelo PT.

No comando de um bloco que inclui outros cinco partidos (PSB, PR, PRB, PCdoB e PDT), o PT desceria ao front com uma tropa de 30 senadores.

E a infantaria oposicionista, reduzida a dez tucanos e cinco ‘demos’, evoluiria do Waterloo de 2010 para uma espécie de exílio napoleônico de Santa Helena.

Renan, que dispõe da alternativa de tonificar o seu PMDB num bloco com PP e PTB, converteu seus exércitos em escudo protetor da oposição.

Para o general pemedebê, prevalecem os partidos, não os blocos. A oposição perde poder, mas livra-se da asfixia tramada pelo PT e torna-se devedora de Renan.

Pela regra da proporcionalidade, cada partido escolherá as poltronas que deseja ocupar segundo o tamanho de sua bancada.

Maior legenda do Senado, o PMDB reacomodará José Sarney (AP) na cadeira de predidente. Será a quarta presidência dele. Mais dois anos.

Ao desbancar o PSDB do posto de segunda maior bancada, o PT desalojará o tucanato da 1ª vice-presidência.

O posto será ocupado, em sistema de rodízio, por Marta Suplicy (SP) e José Pimentel (CE). Um ano para cada um. Resta definir quem vai primeiro.

O PMDB tem a prerrogativa de escolher mais uma posição na Mesa, a 2ª vice-presidência. Só então o PSDB, terceira maior bancada, fará a sua pedida.

O tucanato cairá da 1ª vice para a 1ª Secretaria. É uma espécie de prefeitura do Senado. Dispõe de orçamento anual de cerca R$ 3 bilhões.

Trata-se de um cobiçadíssimo ninho de escândalos à espera de moralização. Era reduto do DEM. Vai ao colo do tucano Cícero Lucena (PB).

Ex-prefeito de gestão duvidosa, Lucena chega à posição enrolado em ação do Ministério Público. Sua biografia não rima com a higienização que o posto pede.

Na fila do rateio, vêm a seguir o DEM e o PTB, ambos com cinco senadores. Na legislatura que termina, os 'demos' eram 13. Saíram das urnas com seis. Mas um deles, Eliseu Resende (MG), morreu.

Líder do DEM, o senador José Agripino Maia (RN) agarra-se ao regimento para tentar “ressuscitar” Eliseu.

Agripino alega que vale a conta da época da diplomação, não a de hoje. Seja como for, o ex-poderoso DEM terá de optar por uma secretaria subalterna –3ª ou 4ª.

Num esforço para atenuar o prejuízo, Agripino rogou a Renan que o PMDB ceda para o DEM a 2ª vice-presidência. Aguarda por uma resposta.

Rateados os postos da Mesa diretora passa-se à divisão das comissões. São duas as mais relevantes: a de Justiça e a de Assuntos Econômicos.

A primeira será do PMDB. A outra, do PT. O PSDB cobiça a de Infraestrutura, por onde passam as nomeações para agências reguladoras e os projetos do PAC.

Se vingasse a manobra do PT –blocos em vez de partidos— o tucanato daria adeus à Infraestrutura. Graças a Renan, conserva as chances de obter o posto.

O DEM, que controlava a poderosa comissão de Justiça, terá de se contentar com coisa menos relevante –Agricultura, Assuntos Sociais ou algo assemelhado.

Como Renan não dá ponto sem nó, o PT e o Planalto farejam na movimentação dele um cheiro de 2013.

Expurgado da presidência do Senado em meio a denúnicas, o senador tramaria retornar ao posto nas pegadas de Sarney.

Renan adula a oposição para reunir apoios que lhe permitam dar as cartas no Senado nos dois últimos anos da gestão Dilma Rousseff.

by Josias de Souza