segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

POBRES DE SÃO PAULO

Conversa com um amigo e-leitor:
- Por que só agora, com a chuva, o pobre de São Paulo apareceu?
- Porque o pobre de São Paulo foi sowetizado.
- Como assim?
- A elite se fechou para dentro e jogou a favela na periferia, num conjunto de sowetos: Heliópolis, Paraisópolis, Jardim Romano, São Miguel Paulista.
- Mas isso sempre existiu.
- Existiu, mas a elite não via.
- Por que não via?
- Porque era possível você trabalhar na Faria Lima e morar no Morumbi e passar 20 anos sem ver um pobre. Não é como na Zona Sul do Rio, em que a favela entra pela tua janela adentro.
- O resultado disso?
- Você acaba como os quatrocentões, que pensam que moram em Nova York, Milão, Veneza. Ou numa combinação das três.
- E por que isso acabou com a chuva?
- Porque a chuva expulsou os pobres para as ruas, para a tela da tevê.
- Não tinha como evitar que os pobres fossem expulsos para as telas da tevê?
- Não, porque há 15 anos os tucanos governam como se as sowetos de São Paulo não existissem. Um dia o copo tinha que derramar.
- Mas, e os tucanos, não fizeram nada pelos pobres?
- Praticamente nada. Não há um único programa social dos tucanos, de assistência maciça aos pobres de São Paulo. Os tucanos fazem de conta que São Paulo é uma cidade do Primeiro Mundo, porque os pobres ficam escondidos nos sowetos.
- Qual vai ser a consequência política dessa chuva, em 2010?
- Os moradores dos sowetos são na maioria nordestinos e a maioria não vota em São Paulo. E, por isso, os tucanos não ligam para eles. Mas o Serra pode até “não ter noção”. Mas muito paulista e muito brasileiro passou a “ter noção” de que São Paulo tem pobre e é mal tratado.

E...

O jornal nacional de sexta-feira passada admitiu que, mesmo com chuva fraca, São Paulo é o caos. (Esqueceu de dizer que, mesmo SEM chuva, São Paulo é o caos.) Uma reportagem chamou a atenção. Foi de César Menezes, que revestiu de “informação” toda a ideologia da elite paulista e, portanto, a ideologia de Serra (Zé Alagão).

A culpa é dos pobres.

Primeiro, porque os pobres não recolhem o lixo. Como se houvesse coleta de lixo em São Paulo.
O que o César quer?
Que o pobre cultive ratos em casa?
Se a coleta não chega ou se nunca se sabe quando chegará, o que fazer: botar o lixo na rua, caro Watson. Outra observação interessante do repórter do jornal nacional: o pobre de São Paulo tem a mania de morar em barranco.

Inacreditável.

Podia morar no Morumbi, nos Jardins e na Vila Nova Conceição, mas não: pobre é assim mesmo. Vai morar na periferia em área de risco.
E por que o Serra não foi lá e retirou o pobre, mandou para um CDHU e financiou a compra da casa própria com o dinheiro que gasta em publicidade?
O que faz o “Zé Alagão” que não limpa o rio Tietê?
O que faz o Zé Alagão que não constrói piscinões?
Mas, sabe como é: o jornal nacional e alguns de seus bravos repórteres serão o último reduto da resistência tucana.

Desde que a chuva começou, há dois meses, morreram sessenta pessoas em São Paulo.
Um morto por dia. Parece o Afeganistão.
“Zé Alagão” não faz nada. Põe a culpa na água e nos pobres – trololó que o PiG (Partido Imprensa Paulista, conforme Paulo Henrique Amorim) repete incansavelmente. Quando ele e a Globo inventaram a epidemia de gripe suína e ele suspendeu as aulas em São Paulo, parecia merecer o título de “melhor Ministro da Saúde da História”, que o ministro serrista Nelson Jobim lhe conferiu. “Zé Alagão” suspendeu as aulas, mas não suspendeu os jogos do Brasileirinho no Morumbi, para não atrapalhar a Globo …
Agora, sim, é que ele tinha que mostrar que foi um Ministro da Saúde que fez muito mais do que comprar ambulâncias.
Se ele fosse um bom Ministro, mesmo, ele comemoraria o aniversário de São Paulo, nesta segunda feira, com uma campanha de vacinação em massa. Especialmente depois que alagou a maior central de alimentos do mundo, o Ceagesp, que ficou sob as águas pútridas do rio Pinheiros.
“Zé Alagão” tem que distribuir antibióticos em massa, para combater a leptospirose.
“Zé Alagão” tem que dar água pura de beber a quem tomou água pútrida ou comeu alimentos estragados na Baixada Santista.
“Zé Alagão” tem que distribuir pomadas e remédios para combater a micose de pele.
“Zé Alagão” tem que vacinar todo mundo contra a hepatite contraída com o consumo de alimentos estragados e água contaminada.
“Zé Alagão” tem que sair do twitter e trabalhar.
Ou ele pensa que governar São Paulo é se eleger presidente da República?

by Paulo Henrique Amorim

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

2010 - ALTERNÂNCIA DO PODER

A democracia é indispensável para haver alternância no poder. Ou pelo menos para torná-la possível. Ou pelo menos para que aconteça sem rupturas graves da institucionalidade. Mas a alternância é também uma condição preliminar para haver democracia real. Quem veio antes: o ovo ou a galinha? A pergunta não faz sentido. Há todo um sistema, produto da evolução, que faz a galinha nascer do ovo, antes de ela própria botar ovos. Um modelo circular.
A política é um ecossistema. Quando está em equilíbrio, nenhuma espécie adquire "naturalmente”, protagonismo tal que possa destruir esse equilíbrio. Que é necessariamente dinâmico. E involuntário.
Cada elo da cadeia alimenta-se de alguém e serve de comida a outro alguém. Se uma determinada população alcança protagonismo excessivo, o sistema se encarrega de colocar as coisas no lugar. Sem pedir licença. A democracia está bem de saúde quando se nota algum equilíbrio entre o governo e a oposição. Esta bate e aquele apanha. O poder é um bicho muito forte. Uma fera insaciável. Os governos sempre buscam meios de matar a oposição. E isso depende pouco de que grupo está no manche, ou das intenções autodeclaradas. Em Brasília, o PSDB é um bichinho manso que acusa o PT de querer sufocar a oposição. Já nos estados o PSDB trata mesmo é de governar na paz dos cemitérios. E é bom nisso, reconheça-se. Governos precisam apanhar. O poder não se autorregula, não faz parte da sua natureza. Ele precisa ser controlado. E é natural que resista a sofrer controles. Lula reclama dia sim outro também do Congresso Nacional, do Ministério Público, do Tribunal de Contas, do Judiciário. Mas quem inaugurou a moda de propor, por exemplo, amarras à ação do Ministério Público foi Fernando Henrique Cardoso. O PT é acusado de querer perpetuar-se no poder. E leva jeito mesmo de desejar. São as ilusões da teoria torta de que um “líder certo” vale mais do que a própria democracia. Mas quem verbalizou primeiro a necessidade de um “projeto” de duas décadas foi o tucano Sérgio Motta, então ministro das Comunicações de FHC. Presidente que aliás, implantou a reeleição de ocupantes de cargos no Executivo, a começar pela própria. Lula explicitou o desejo de transformar a eleição num plebiscito. FHC fez isso com sucesso duas vezes. A primeira em 1994, quando reorganizou a base política que servira a um Fernando Collor recém-deposto e se lançou como o candidato ideal para “evitar a vitória de Lula e do PT”. Nos bastidores, e nem tão discretamente, além de soprar as brasas do antipetismo, cuidou de convencer o então prefeito paulistano, Paulo Maluf, a desistir de qualquer pretensão presidencial. Maluf na época estava bem. Foi antes da ruína definitiva dele, com Celso Pitta. Quatro anos depois, os operadores de FHC trataram de esmagar na convenção do PMDB a possível candidatura de Itamar Franco. Episódio protagonizado por personagens que hoje circunstancialmente navegam com Lula.
Os arquivos da imprensa estão aí para exibir a qualidade política e simbólica daquele episódio. Não chegou a ser um exemplo de etiqueta, ou da “superioridade civilizatória" que os tucanos gostam de alardear quando lhes convém. O PT não é mais nem menos moderado no exercício do poder federal do que foi o PSDB. A diferença é que, na oposição, o petismo se dispunha a resistir politicamente, a criar uma alternativa.
Não chega a ser novidade que o PSDB tenha abdicado disso. Menos por generosidade, que como vimos não faz parte do seu DNA. Talvez pela aposta, lá atrás, de que o PT se afundaria sozinho. Aposta que como se sabe deu errado. Arrogância intelectual que acabou virando bumerangue.