quinta-feira, 31 de março de 2011

02 abril 1964


2 de abril de 1964 - Editorial de O GLOBO

“Ressurge a Democracia”

Vive a Nação dias gloriosos. Porque souberam unir-se todos os patriotas, independentemente de vinculações políticas, simpatias ou opinião sobre problemas isolados, para salvar o que é essencial: a democracia, a lei e a ordem. Graças à decisão e ao heroísmo das Forças Armadas, que obedientes a seus chefes demonstraram a falta de visão dos que tentavam destruir a hierarquia e a disciplina, o Brasil livrou-se do Governo irresponsável, que insistia em arrastá-lo para rumos contrários à sua vocação e tradições.Como dizíamos, no editorial de anteontem, a legalidade não poderia ser a garantia da subversão, a escora dos agitadores, o anteparo da desordem. Em nome da legalidade, não seria legítimo admitir o assassínio das instituições, como se vinha fazendo, diante da Nação horrorizada.


Agora, o Congresso dará o remédio constitucional à situação existente, para que o País continue sua marcha em direção a seu grande destino, sem que os direitos individuais sejam afetados, sem que as liberdades públicas desapareçam, sem que o poder do Estado volte a ser usado em favor da desordem, da indisciplina e de tudo aquilo que nos estava a levar à anarquia e ao comunismo.


Poderemos, desde hoje, encarar o futuro confiantemente, certos, enfim, de que todos os nossos problemas terão soluções, pois os negócios públicos não mais serão geridos com má-fé, demagogia e insensatez.


Salvos da comunização que celeremente se preparava, os brasileiros devem agradecer aos bravos militares, que os protegeram de seus inimigos. Devemos felicitar-nos porque as Forças Armadas, fiéis ao dispositivo constitucional que as obriga a defender a Pátria e a garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem, não confundiram a sua relevante missão com a servil obediência ao Chefe de apenas um daqueles poderes, o Executivo.


As Forças Armadas, diz o Art. 176 da Carta Magna, “são instituições permanentes, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade do Presidente da República E DENTRO DOS LIMITES DA LEI.”


No momento em que o Sr. João Goulart ignorou a hierarquia e desprezou a disciplina de um dos ramos das Forças Armadas, a Marinha de Guerra, saiu dos limites da lei, perdendo, conseqüentemente, o direito a ser considerado como um símbolo da legalidade, assim como as condições indispensáveis à Chefia da Nação e ao Comando das corporações militares. Sua presença e suas palavras na reunião realizada no Automóvel Clube, vincularam-no, definitivamente, aos adversários da democracia e da lei.


Atendendo aos anseios nacionais, de paz, tranqüilidade e progresso, impossibilitados, nos últimos tempos, pela ação subversiva orientada pelo Palácio do Planalto, as Forças Armadas chamaram a si a tarefa de restaurar a Nação na integridade de seus direitos, livrando-os do amargo fim que lhe estava reservado pelos vermelhos que haviam envolvido o Executivo Federal.


Este não foi um movimento partidário. Dele participaram todos os setores conscientes da vida política brasileira, pois a ninguém escapava o significado das manobras presidenciais. Aliaram-se os mais ilustres líderes políticos, os mais respeitados Governadores, com o mesmo intuito redentor que animou as Forças Armadas. Era a sorte da democracia no Brasil que estava em jogo.


A esses líderes civis devemos, igualmente, externar a gratidão de nosso povo. Mas, por isto que nacional, na mais ampla acepção da palavra, o movimento vitorioso não pertence a ninguém. É da Pátria, do Povo e do Regime. Não foi contra qualquer reivindicação popular, contra qualquer idéia que, enquadrada dentro dos princípios constitucionais, objetive o bem do povo e o progresso do País.


Se os banidos, para intrigarem os brasileiros com seus líderes e com os chefes militares, afirmarem o contrário, estarão mentindo, estarão, como sempre, procurando engodar as massas trabalhadoras, que não lhes devem dar ouvidos. Confiamos em que o Congresso votará, rapidamente, as medidas reclamadas para que se inicie no Brasil uma época de justiça e harmonia social. Mais uma vez, o povo brasileiro foi socorrido pela Providência Divina, que lhe permitiu superar a grave crise, sem maiores sofrimentos e luto. Sejamos dignos de tão grande favor.”


quinta-feira, 17 de março de 2011

ORÁCULO DE DELFOS

Depois de ler na Folha (*) entediante artigo do Padim Pade Cerra a favor do voto distrital, percebi que deveria haver algo de errado com o voto distrital.

Se o Cerra e o Farol de Alexandria defendem o voto distrital deve ser para acabar com a “democracia de massas”, aquela de que o Otavinho tem ojeriza e construir a “democracia de Higienópolis”, do Country Club, ou do Paulistano, onde babá tem que usar uniforme e crachá.

Resolvi me ilustrar com o sempre sábio Oráculo de Delfos.

- O voto distrital no Brasil é um sonho de uma noite de verão, meu filho, diz ele.

- Por quê ?

- Como é que você vai dividir os distritos do Amazonas ?

- Ou em São Paulo, mesmo ?

- Sim ! Me diga aí: como é que você vai dividir o ABCD em distritos ? Só se for com sangue.

- Mas, os Estados Unidos têm voto distrital e o Cerra e o Fernando Henrique acham que copiar os Estados Unidos significa “avançar”…

- Lá nos Estados Unidos a eleição para a Câmara é de dois em dois anos … uma loucura … e tem gente que se re-elege por oito mandatos …

- Ou seja, não há renovação.

- Não ! Petrifica a representação.

- Êta ! E o distrital misto, o distrital com lista ? O PT ama !

- Claro que o PT ama. É o partido do poder, é o mais conhecido.

- E vai atrair mais gente.

- O ponto não é esse. O problema da lista é que beneficia a oligarquia dos partidos. Os partidos é que escolhem quem vai se eleger.

- Mas, isso não vai fortalecer os partidos ?

- Meu filho, no Brasil não há partidos para valer. E como é que eu faço: eu quero votar no Zé da Silva, mas não quero votar no PT. Como que eu faço ?

- Hoje, se você votar no Zé da Silva você votará na coligação em que o PT estiver.

- Tudo bem. Mas, não vou votar no Joaquim Manuel que eu detesto, mas o PT quer eu eleja ele com o voto do Zé da Silva. Entendeu ?

- Entendi. E o distritão ? Dizem que ele não presta porque o patrono dele é o Francisco Dornelles, um político conservador.

- Não sei se é conservador ou modernista. O que eu sei é que é o que melhor se adapta ao Brasil.

- Por que ?

- Você elege os mais votados de um estado – o estado é o distritão. Se o Estado tem direito a 30 cadeiras, você elege os trinta mais votados. Os trinta representam a população daquele estado. É em razão da população. Nada mais democrático.

- Bom, você quer que se elejam os mais rico, os que têm os maiores financiadores…

- E hoje, como é que é ? Quem tem mais chance de se eleger: quem tiver mais dinheiro ou menos dinheiro ? Não seja ingênuo, meu filho. Dinheiro vota !

- Só com o financiamento público das campanhas, resolvo interromper.

- Não sei …, diz o Oráculo, sempre cético.

- Mas, também criticam no distritão que ele esmaga as minorias, esmaga os menos votados da coligação de hoje …

- Você quer dizer … esmaga os que não têm voto …

- Exatamente, os que não têm voto, mas estão na coligação bem votada.

- Meu filho, democracia é para quem tem voto. Quem não tem voto hoje trate de ter amanhã.

- Quem não tem voto não tem voto.

- Você está bom, hoje !

- Mas, você diz que o Brasil não tem partidos. Você quer o distritão, que acaba com as coligações partidários, ou seja, essa reunião em torno de partidos que têm idéias parecidas …

- Meu filho, não há nada mais diferente do PT do Rio Grande do Sul do que o PT do Rio Grande do Norte.

- Deve ser.

- É. Então, como é que se formam as alianças ideológicas ?

- Boa pergunta.

- O que se elege num distritão chega a Brasília e se aproxima dos que pensam como ele, em outros distritões.

- Isso tem mais legitimidade do que hoje ?

- Qual é a legitimidade de uma aliança que tem um deputado por São Paulo com três votos, eleito pelo Tiririca ?

- Você, então, caro Oráculo, não tem medo de o distritão esmagar a minoria.

- Não, meu filho.

- Por quê ?

- Porque o Brasil é uma democracia.

- Não entendi.

- Eu sei. Você é um pouco lerdo.

- Não precisa humilhar, Oráculo.

- Democracia só é democracia se a minoria puder ser a maioria de amanhã.

- Com voto.

- Sempre.

Pano rápido.

PHA

quarta-feira, 16 de março de 2011

by Leandro Fortes

Entre todas as bizarrices expostas pelo WikiLeaks, a mais interessante é a revelação, sem cerimônias, de que a Embaixada dos Estados Unidos mantinha (mantém?) uma verdadeira sucursal informal no Brasil, na qual se revezavam jornalistas (de uma só tendência, é verdade), a elaborar análises políticas – todas furadas, diga-se de passagem.

Na redação da embaixada brilharam, primeiro, os colunistas Diogo Mainardi, da Veja, e Merval Pereira, de O Globo. Segundo despacho de Arturo Valenzuela, secretário adjunto de Estado para Assuntos do Hemisfério Ocidental, em 2009, o “renomado colunista político” Mainardi, em almoço privado (?), disse que uma coluna propondo que a ex-candidata presidencial do Partido Verde (PV) e ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva se tornasse candidata a vice do tucano José Serra havia nascido “de uma longa conversa” entre os dois, Serra e Mainardi, na qual o ex-governador de São Paulo afirmara que Marina seria sua “companheira de chapa dos sonhos”. De acordo com Valenzuela, Serra alinhou naquela conversa com Mainardi as mesmas vantagens que o colunista, mais tarde, iria listar em sua coluna: a história de vida e as “credenciais esquerdistas impecáveis” de Marina poderiam bater o apelo pessoal de Lula aos brasileiros pobres e colocar Dilma Rousseff em desvantagem com a esquerda. Ao mesmo tempo, a vice verde ajudaria Serra a “mitigar” sua associação com o governo de Fernando Henrique Cardoso. Mainardi ainda preconizou que, mesmo sem sair como vice, Marina poderia apoiar Serra num segundo turno contra Dilma. Também apostou que Aécio Neves iria se juntar à chapa de Serra. Um profeta, como se vê.

A mesma lengalenga Arturo Valenzuela ouviu do colunista Merval Pereira, que rememorou uma conversa tida entre ele, Merval, e Aécio Neves, um dia antes do jornalista se reportar à Embaixada dos EUA, em 21 de janeiro de 2010. Ou seja, informação quentíssima! A Merval, informou Valenzuela à Casa Branca, Aécio Neves teria dito estar “firmemente compromissado” em ajudar Serra de qualquer maneira, inclusive se juntando à chapa. Uma chapa Serra-Neves, opinou Merval Pereira ao interlocutor americano, venceria fácil. “(Merval) Pereira pessoalmente acredita que não só Neves concorreria com Serra, mas que Marina também apoiaria Serra em um segundo turno”. Outro profeta.

Agora, sabemos pelo WikiLeaks que Humberto Saccomandi, editor de notícias internacionais do jornal Valor Econômico, acompanhado do analista político Rafael Cortez, da Tendências Consultoria, também foram convocados pela sucursal da Embaixada a analisar a candidatura de Dilma, mas estes acertaram: a subida de Dilma Rousseff nas pesquisas iria favorecê-la no congresso nacional do PT, no fim de fevereiro de 2010, onde se esperava que ela anunciasse sua candidatura oficialmente.

Classificados de “críticos mais duros de Rousseff”, os jornalistas William Waack, da TV Globo, e Hélio Gurovitz, da revista Época, também foram à Embaixada dos Estados Unidos dar pitaco, mas em clima de torcida organizada pró-Serra. Waack descreveu para o Consulado Geral, em São Paulo, sua ida a um fórum de negócios do qual José Serra, Dilma Rousseff, Aécio Neves e Ciro Gomes tinham participado. A análise, não fosse surreal, é pouco mais do que rasa. “De acordo com Waack, Gomes foi o mais forte no geral, Neves o mais carismático, Serra desligado, mas claramente competente (grifo meu), e Rousseff, a menos coerente”, escreveu, à Casa Branca, o embaixador Thomas Shannon, editor-chefe da sucursal. Crítica duríssima, essa de Waack.

Helio Gurovitz, diretor da Época, foi mais adiante ao se reportar à Embaixada do EUA. Descreveu o Brasil como similar ao Chile (onde a esquerdista Michelle Bachelet perdeu a eleição para o direitista Sebastián Piñera). Argumentou que a “base social do país” se desenvolveu de maneira que esta “base” – seja lá o que for isso, o povo é que não era – preferiria alternar partidos no poder para manter continuidade (sic), em vez de manter um partido no poder no longo prazo, “com isso provocando uma guinada na direção daquele partido no espectro político”. O embaixador, creio, não entendeu nada. Mas registrou, por via das dúvidas.

Com analistas assim, não é a toa que o governo Obama se encontra na situação que está.