domingo, 2 de agosto de 2009

SIMPLES TELEFONEMA

A Federação Nacional dos Médicos (Fenam) divulgou nota na sexta-feira referindo-se a um acontecimento ocorrido no Rio de Janeiro e que acabou tendo repercussão nacional. Tudo começou no domingo, 26 de julho, quando a juíza Luciana Lustosa (TJ-RJ), atendendo a um pedido da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, determinou que uma paciente internada no Hospital Santa Maria Madalena fosse transferida para um leito no Centro de Tratamento Intensivo (CTI) da rede pública de saúde. Esta determinação foi reforçada na quarta-feira, 29, pelo juiz André Nicolitt (TJ-RJ). Contudo, e por causa da gripe suína, não havia leitos disponíveis na CTI e a transferência não ocorreu.

A partir daí, começa a controvérsia. A internação de pacientes no Rio está a cargo de um órgão, a Central Estadual de Regulação. No momento, supervisionava a atividade a médica Ana Murai, do Instituto de Assistência dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro (Iaserj). Segundo a nota da Fenam e do Simers, e segundo notícia da Folha de S. Paulo, a médica foi presa por ordem do juiz. Segundo a Associação de Magistrados Brasileiros (que tem a sigla AMB, ironicamente a mesma da Associação Médica Brasileira), o juiz André Nicolitt, depois de conceder duas horas para o cumprimento da ordem judicial, “convocou a médica Ana Murai para prestar esclarecimentos”. A médica foi até a 5ª DP (Lapa), depôs por mais de três horas, e foi liberada. À saída, declarou à imprensa: “O juiz me deu duas horas para resolver um problema que não tinha como ser resolvido. Eu cumpri três mandados judiciais e não cumpri o dela não porque não quis, mas porque não pude. Ele poderia ter me ligado, perguntado. Eu tinha ontem 118 pacientes na fila de CTI. O juiz viu o lado de uma paciente, eu tenho 118 lados para ver. A gente tem um surto de gripe A, um bando de pacientes morrendo e não pude trabalhar”. O secretário estadual de Saúde, Sérgio Côrtes, apoiou-a: “O que se ganhou com a prisão dela? Iríamos cumprir a decisão tão logo tivéssemos um leito”. O Cremerj (Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro) repudiou a decisão do juiz e ofereceu suporte jurídico à médica.

O ocorrido remete a um problema antigo. Quem trabalha em saúde sabe: as demandas são ilimitadas, ao passo que os recursos são limitados, sobretudo num país pobre como é o Brasil. Decisões judiciais podem determinar que os órgãos de saúde prestem serviços ou forneçam medicamentos; mas daí a prestar os serviços ou fornecer medicamentos vai uma distância enorme. É um conflito, e o ônus, além de pesar dramaticamente sobre pessoas doentes e desamparadas, também recai sobre a figura do médico que aí fica como o marisco, entre o mar das reivindicações e o rochedo das limitações públicas. Mas a situação poderia melhorar se houvesse um canal de comunicação, direto e eficiente, entre Justiça e Saúde. No caso, não poderia o juiz ter telefonado? Para atender à determinação deste, a doutora Ana teve de abandonar o plantão, com óbvios prejuízos para seu trabalho. Ninguém ganha com essa briga, ninguém. Ao fim e ao cabo, vale a sensata afirmação de que, falando, a gente se entende. E, esclarecendo dúvidas, pode-se resolver muitos problemas.

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