segunda-feira, 26 de outubro de 2009

2014, 2016 - O OUTRO LADO

A fumaça preta dos incêndios e explosões não tinha se dissipado e ainda era possível ouvir o barulho da troca de tiros entre policiais e traficantes quando Rosa Maria Barbosa falou. Tia de Ednei Canazarro, um dos militares carbonizados na queda do helicóptero derrubado por traficantes no Morro dos Macacos, emocionada e revoltada, desabafou:

– Armam todo este teatro para os Jogos Olímpicos e não dão as condições para os nossos policiais trabalharem.

É uma frase para ser lida, relida, pensada. Rosa faz parte daquela parcela situada no outro lado da linha, imune ao ufanismo que tomou conta de boa parte do país com a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016. São os que têm dificuldade para entender por que o país está disposto a mobilizar esforços e investir bilhões de dólares em duas competições esportivas, enquanto as emergências dos hospitais estão superlotadas, as escolas sucateadas e as quadrilhas derrubando helicópteros da polícia. Deve ser duro mesmo para quem vive na periferia da sociedade entender a inversão de prioridades. Rosa integra a imensa maioria silenciosa. É a parcela que não escreve cartas para os jornais, não fala nas emissoras de rádio e só aparece em programas de TV nos momentos em que perturba a rotina das cidades com seus protestos de rua ou nas tragédias, quando seus parentes morrem nos tiroteios, por estarem em um extremo, como ocorreu com os pilotos do helicóptero, ou por ficarem no meio do fogo cruzado. São pessoas que devem ter dificuldade para entender o choro do presidente Lula em Copenhague, quando o Brasil foi escolhido para sediar os Jogos de 2016, ou a festa de cartolas e políticos em Zurique, no momento em que a FIFA deu ao país pentacampeão mundial o direito de organizar a Copa. É fácil entender a questão levantada pela tia do policial. Experimente imaginar uma lista de prioridades para um país como o Brasil. Você pode começar pela educação, que precisa de escolas e valorização do professor. Mas é preciso iniciar agora para que a próxima geração tenha resultados. A lista é grande, das pessoas com terra que precisam de apoio às sem terra que ainda vivem em barracas, dos pacientes que dependem de um sistema de saúde que não consegue dar conta de demanda à insegurança. Nos países desenvolvidos também há episódios de guerra urbana, claro, mas são isolados. Aqui, são permanentes. Depois da lista pronta, tente substituir alguns dos itens selecionados por Copa ou Olimpíada. Não haverá lugar, mesmo que você – como a maioria de nós – seja apaixonado por futebol ou esportes olímpicos, e tenha certeza dos benefícios de competições assim para nossas cidades. Ninguém discorda disso. A questão toda se resume à lista de prioridades – e nela, ao menos enquanto o país não resolver seus problemas mais sérios, não deveria haver lugar para investimento de risco em Copa ou Olimpíada. Ninguém precisa aceitar isso, é evidente, e muitos não concordam por acharem que uma questão não tem nada a ver com a outra. É uma posição respeitável, mas eu prefiro passar para o outro lado da linha. Fico ao lado de Rosa.

By Mario Marcos de Souza

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